Casarão Simplício Dias

Casarão Simplício Dias

segunda-feira, 20 de junho de 2011

180 anos de memória viva - Simplício Dias da Silva

Numa noite, por volta de 1817. Um navio entra pela baía de Amarração, na costa piauiense, e sobe o Rio Igaraçu. Traz sinal secreto, que é correspondido da margem do rio.
Antes de se aproximar do Porto das Barcas, a uma légua da vila da Parnaíba, um bote veio recepcioná-lo. Alguns caixotes são retirados do navio. O bote some misteriosamente aproveitando o silêncio e a escuridão, levando livros e jornais proibidos, e correspondências secretas. Pela manhã, o navio está ancorado no Porto das Barcas, e importante passageiro francês, com disfarce de comprador de algodão, é hóspede do senhor da Casa Grande.
Durante o final do século XVIII e início do XIX, os moços ricos do Brasil, ambiciosos de um diploma superior, estavam na Europa. Coimbra, em Portugal, e Montpelier, na França, eram os destinos escolhidos pela maioria dos estudantes brasileiros. Na França e Inglaterra, esses jovens ilustrados com a filosofia do Século das Luzes sonhavam com a liberdade do Brasil. Eram leitores de livros perigosos como os de Voltaire, Rousseau, Descartes, Condilac, Diderot e d’Alembert. Estes livros eram item do considerável comércio ilegal entre brasileiros, ingleses, franceses e holandeses. Jornais incendiários, como o Correio Braziliense de Hipólito José da Costa, e O Portuguez de João Bernardo da Rocha Loureiro, espalhavam as ideias liberais nos chamados “jornais de Londres”. Hipólito José da Costa foi Grão-Mestre Provincial na Inglaterra. Entre os jovens estudantes brasileiros na Europa, estava Simplício Dias da Silva.
Ao regressar para Parnaíba, Simplício Dias passou a se comunicar com as sociedades secretas. Apoiados pela Inglaterra, esses grupos iriam buscar a autonomia do Brasil, se não fosse como Reino Unido a Portugal, haveria de ser como país independente. Formariam o Partido Brasileiro.
Como grande negociante e dono de navios, Simplício Dias mantinha contato com os grandes personagens que fizeram a Independência do Brasil. Na Revolução Pernambucana de 1817, foi executado o seu amigo Domingos José Martins, benemérito, em 1815, do “Correio” da Parnaíba, uma franquia do Correio do Ceará. Antes de ser fuzilado Domingos José Martins disse: “Morro pela liberdade!” Muitos liberais e irmãos maçons foram hóspedes de Simplício Dias, como o inglês Henry Koster, e o francês Louis-François de Tollenare. Henry Koster, agente da maçonaria internacional, entre os anos de 1805 e 1815, foi o coordenador da Revolução Pernambucana. Em 1811, em São Luís, onde Simplício Dias tinha grande empório, aconteceu encontro entre o negociante parnaibano, José Gonçalves da Silva comerciante maranhense, e Henry Koster. Pedro Calmon, em História da Civilização Brasileira, diz: “Ele [Koster] devia entender-se com Hipólito da Costa e obter o apoio da nação inglesa”.
Na Casa Grande da Parnaíba, aconteciam os encontros, entre irmãos confrades veneráveis, donatos e leigos. Simplício Dias, o juiz João Cândido de Deus e Silva, José Francisco de Miranda Osório, Leonardo de Carvalho Castelo Branco, o major Bernardo Antônio Saraiva, o capitão Honorato José de Morais Rego, Manoel Antônio da Silva Henriques, João José de Sales, e tantos outros, fizeram luzir no Norte do Brasil, a chama da Independência. Com eles, foi criada a primeira loja maçônica do Piauí, a Independência, da Linha Vermelha de Joaquim Gonçalves Ledo, que queria também o regime republicano e o fim da escravidão. Gonçalves Ledo tinha como codinome Diderot, iluminista francês co-autor da Enciclopédia.


Assinatura de Simplício Dias da Silva e Manoel Antônio da Silva Henriques, em documento enviado a Dom João VI, em 1805, solicitando a criação da Alfândega do Piauí.

Simplício Dias da Silva, refinado jacobino e pedreiro livre, sobre o piso da Loja Maçônica Independência, na vila de São João da Parnahiba. Imagem do Almanaque da Parnaíba. À direita, frontispício do livro Cartas sobre a Framaçonaria, de Hipólito José da Costa, Londres, 1805, mas declarando-se falsamente Madrid.
Com a criação, no Rio de Janeiro, da sociedade secreta Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, em 2 de junho de 1822, Dom Pedro foi o seu Grão-Mestre. Com o pseudônimo de Guatimozim, o último imperador asteca morto pelos espanhóis, quis mostrar alma americana. Do seu legado maçônico destaca-se o Hino Maçônico Brasileiro, para o qual escreveu música e letra. Amante dos franceses ilustrados, Simplício Dias, se deu o nome simbólico de irmão Filósofo Pensador; José Francisco de Miranda Osório, Tapuia Independente, como Mandu Ladino, o índio guerreiro das matas piauienses. Todos se comunicavam com os seus devidos codinomes. Em Prosa Poesia Iconografia, diz Rubem Almeida: “Seria que Bonifácio confidenciasse, em ambiente francamente hostil, difícil missão guerreira ao Juiz-de-fora João Cândido de Deus e Silva e ao Coronel Simplício Dias da Silva, assim como delicado papel de guarda dos segredos”. José Bonifácio atendia aos irmãos maçons, como Tibiriçá, o primeiro índio a ser catequizado pelo padre José de Anchieta.

O Decreto de 19 de junho de 1822 declarou Dom Pedro Imperador Perpétuo do Brasil e Dom João Imperador dos Reinos Unidos de Portugal, Brasil e Algarves. Foi esse decreto que movimentou os parnaibanos, que o receberam com júbilo. Já em agosto de 1822, o Brasil era considerado independente pelos irmãos liberais. Em 1° de agosto de 1822, Dom Pedro assinou manifesto redigido por Gonçalves Ledo com notável trecho: “Não se ouça entre nós outro grito que não seja União! Do Amazonas ao Prata não retumbe outro eco que não seja Independência!”
O dia 12 de outubro de 1822 foi escolhido pela maçonaria para aclamação pública de Dom Pedro como imperador, data que todas as lojas maçônicas deveriam proclamar a Independência. No Rio de Janeiro, no Campo de Santana, cerimônia sagrou Dom Pedro Imperador Constitucional do Brasil. Algumas vilas respeitaram o secretamente combinado. Mas, já se passavam seis dias, e nas reuniões da Casa de Câmara da Parnaíba, os patriotas não chegavam a um acordo. Simplício Dias da Silva, retomando o controle da vila, e a frente das tropas de 1ª e 2ª linhas, exigiu que fossem respeitados os ofícios de José Bonifácio. No dia 19 de outubro de 1822, com os patriotas no Paço da Câmara, diante das tropas perfiladas, foi proclamada – “a Regência de Sua Alteza Real, a Independência do Brasil, e sua União com Portugal, e as futuras Cortes Constituintes do Brasil”. Com uma salva de tiros da artilharia e o repicar dos sinos, o povo se manifestou em calorosas aclamações. Assim, a vila da Parnaíba lançou o clarão que iluminou o Norte para as lutas em prol do Brasil.

No dia 23 de outubro, o Senado da Câmara da Parnaíba comunicou sua Proclamação a Campo Maior e convidou esta vila a aderir à causa do Brasil. Mas, o Piauí e o Norte do Brasil eram estruturas secundárias portuguesas. O Pará, primeiro a aderir à Revolta do Porto de 1820, recebeu como prêmio o estatuto de Província de Portugal. Agora, todos contra a Vila da Parnaíba. A Junta do Maranhão lançou manifesto dizendo que o povo não deveria se deixar seduzir com a independência, pois nenhuma relação tinha com o Sul do Brasil. As três províncias, Piauí, Maranhão e Pará, firmaram pacto de ajuda mútua, enviando tropas para Parnaíba, com o fim de sufocar o movimento emancipacionista. De Oeiras, veio o sargento-mor João José da Cunha Fidié e tropa de 1500 homens. De São Luís, navios de guerra. Não podendo combater esta força militar, e evitando inútil derramamento de sangue, os patriotas parnaibanos passaram estrategicamente para o Ceará, já praticamente ligado ao Brasil, pudendo desfrutar confiança.

Ao chegar à Parnaíba, Fidié fez prisioneira a família de Simplício Dias, que foi ameaçada de morte. Fez a Câmara da vila, renovar juramento à Constituição portuguesa. Os bens do senhor da Casa Grande, incluindo as oficinas e navios, foram destruídos e queimados. Fidié fez-se dono da casa do sítio da Ilha Grande de Santa Isabel, e com o gado, antes destinado à produção de couro e charque, alimentava seu exército. O major Bernardo Antônio Saraiva e a sua cavalaria, denunciados pelos portugueses da vila da Parnaíba como partidários brasileiros, foram deslocados exemplarmente para Oeiras, fato que Fidié reconheceu, depois, como grande erro estratégico. Lá na capital, o regimento parnaibano passou as luzes da Independência, e colaborou para a adesão do Piauí, à causa nacional.

No Ceará, o juiz-de-fora João Cândido de Deus e Silva, Simplício Dias da Silva e os demais patriotas negociaram a vinda de tropas, em socorro ao Piauí e ao Norte do Brasil. As primeiras tropas vieram, para o Piauí, comandadas por Leonardo de Carvalho Castelo Branco e José Francisco de Miranda Osório, um contingente de 600 homens. Cruzaram a Serra da Ibiapaba, e no dia 22 de janeiro de 1823, tomaram a freguesia de Piracuruca dos portugueses. Dois dias depois, Leonardo leu extenso e vibrante termo de Proclamação onde dizia que “Um pé de exército de quatro a seis mil homens vai fazer o mesmo em Campo Maior; há mais um corpo de observação para conter o inimigo, a quem inquieta com contínuas correrias pela costa” [grifo nosso]. A campanha militar já tinha se iniciado no litoral piauiense.


Juiz-de-fora doutor João Cândido de Deus e Silva, alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco eleitor de paróquia da vila de São João da Parnaíba, e major José Francisco de Miranda Osório, próceres do 19 de Outubro de 1822. Irmãos confrades da Loja Independência.
No dia 24 de janeiro de 1823, o Piauí aderiu oficialmente a Independência do Brasil, fato que determinou Fidié marchar contra a capital Oeiras. No dia 1º de fevereiro, foi preso, no Maranhão, onde fazia propaganda patriótica na vila do Brejo, Leonardo de Carvalho Castelo Branco, depois remetido para prisão do Limoeiro, em Lisboa, Portugal. No 10 de março, travou-se a Batalha da Lagoa do Jacaré próximo a Piracuruca; no 13 de março, a Batalha do Jenipapo, em Campo Maior. No 30 de abril, foi preso no Maranhão, o português Manoel Antônio da Silva Henriques, acusado de passar informações sigilosas para os parnaibanos que estavam no Ceará.
Embora vencedor absoluto na Batalha do Jenipapo, Fidié teve parte dos seus petrechos de guerra roubados pelos patriotas, o que resultou na sua passagem para o Maranhão, no dia 29 de março de 1823, indo buscar reforços na vila maranhense de Caxias. Antes, remeteu ofício ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Guerra, Cândido José Xavier, sobre as batalhas travadas com os revoltosos adeptos da independência do Brasil, a conquista da vila de Campo Maior e as baixas havidas. Direto do porto de Estanhado, hoje cidade piauiense de União, com data de 22 de março de 1823.
Seguiram-se as lutas, agora no Maranhão, que resistia à Independência do Brasil. Em abril, Simplício Dias retornou do Ceará para Parnaíba, acompanhado de tropas cearenses, pernambucanas e do 2º regimento de Cavalaria da Parnaíba sob o comando do major Bernardo Antônio Saraiva. Esta corporação esteve presente em todos os momentos do processo de Independência no Piauí, incluindo o 24 de janeiro em Oeiras, e o 13 de março em Campo Maior. Hoje, o major Bernardo Antônio Saraiva é patrono do 2º Esquadrão de Polícia Montada da Parnaíba, no Batalhão Major Osmar.
Simplício Dias mantinha Dom Pedro informado, e deste recebeu carta imperial informando que marchasse contra São Luís. Mas, Simplício Dias e tropas já estavam no Maranhão, aonde defenderam a Independência do Brasil, de Carnaubeiras no Delta do Parnaíba, até Icatu, vila limítrofe a São Luís. Os brasileiros reduziram forças da capital maranhense, em grande peleja que ficou para história como o Cerco do Itapecuru, impedindo que reforços chegassem até Caxias, onde estava Fidié. No início de julho, o jornal O Conciliador, órgão oficial da Junta Portuguesa Governativa do Maranhão, revelava a situação agonizante dos portugueses em São Luís, sitiados pelas forças nortistas da Independência.
Em 2 de julho de 1823, a Bahia ficou livre do jugo lusitano das tropas do general português Madeira de Melo, depois de mais de um ano de combates expressivos, como nas batalhas de Itapoam, Cabrito e Pirajá. Para Portugal, a Bahia era o centro estratégico das lutas contra a Independência do Brasil, onde criou a Legião Constitucional Lusitana. Os portugueses encurralados no morro das Tabocas, nos arredores de Caxias, resistiram ao cerco implacável até 28 de julho de 1823, depois de grandes combates como os dos dias 16, 17, 18 e 19 de julho. Neste último, quando os brasileiros despejaram fogo sobre Caxias, Fidié empenhou-se desesperadamente, em combate que arrefeceu com o anoitecer. Em São Luís e Belém, o almirante Lord Thomas Chrocane fez tremular a bandeira imperial, depois de impedir que as tropas de Madeira de Melo expulsas da Bahia, chegassem até o Norte do Brasil. Consolidada a Independência do Brasil, Simplício Dias, em janeiro de 1824, dispensou os serviços das tropas, pagando aos soldados um mês de soldo adiantado.
Como reconhecimento pelos seus feitos, Simplício Dias foi condecorado pelo Imperador Dom Pedro I, na Imperial Ordem do Cruzeiro, e nomeado como o primeiro presidente da Província do Piauí, tendo como secretário o cônego Antônio Fernandes da Silveira. Declinou do cargo. Como Gonçalves Ledo, o Filósofo Pensador não quis servir à monarquia autoritária de Dom Pedro, que deu o primeiro golpe de estado no Brasil, quando dissolveu a Assembleia Constituinte, retornando o absolutismo.
Em ensaio, Herminio Conde de Brito afirma que, Simplício Dias “Imensamente rico e viajado, hóspede da França post-revolucionária, as ideias liberais trazidas da Europa, ele as sobrepõe, com entusiasmo, aos próprios interesses, e aos da sua família. Arruína-se no financiamento da guerra pela libertação do Brasil. Sobre os destroços da sua riqueza, edifica-se a unidade da pátria [grifo nosso]. Consolidado o poder luso nas mãos hábeis e enérgicas de Fidié, quem o abateria um ano depois? O momento histórico de romper com a metrópole – lembra Abdias Neves – era esse, e lança o dilema ou o coronel Simplício Dias proclamava a Independência nessa ocasião, ou se deixasse de fazê-lo é possível que mais tarde, tomadas providências, não mais triunfasse a revolução, e outro, bem outro [grifo nosso], fosse hoje, o estado desta parte do Brasil.”
No 1° de novembro de 1823, Simplício Dias escreveu longa carta ao Imperador Dom Pedro I, agradecendo a honrosa comenda, e relatou os pormenores da proclamação de 19 de outubro de 1822, na vila da Parnaíba: “nada poupei para conseguir a liberdade do Piauhy e promover a do Maranhão”. Simplício Dias da Silva figura entre os ilustres maçons brasileiros, citado no Livro Maçônico do Centenário de 1922, mereceu ter o seu nome em placa, como um dos próceres da Independência do Brasil, no Museu do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Parnaíba foi honrosamente agraciada com o título imperial de Metrópole das Províncias do Norte, por ter sido a primeira vila a proclamar a Independência no Norte do Brasil. O dia 19 de Outubro, reconhecido pelo Imperador Dom Pedro I, é O Dia do Piauí – Lei Estadual Nº 176 de 30 de agosto 1937.

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